CERÂMICA PERES, UMA FAMÍLIA EM DEFESA DA ARTE
“Levanta-te
e desce à casa do oleiro e lá te farei ouvir sobre minhas palavras. Como o vaso
que ele fazia de barro, quebrou-se na mão do oleiro, tornou a fazer dele o
vaso, conforme o que pareceu bem aos olhos do oleiro fazer. (Jeremias 18, 1.4)”.
Há 35 anos
esta é a rotina de Flávio Peres, artesão sãojoanense que luta para que sua arte
familiar, passada de geração em geração perdure.
Como foi o seu primeiro contato com a arte da cerâmica em
argila?
Tudo
começou com o meu pai, que é da cidade de Recreio, e aprendeu o ofício de
oleiro aos 13 anos de idade. Depois ele acabou se mudando para Niterói, onde
trabalhou por dois anos, de 1948 a 1950, tendo inclusive assistido à final do
mundial daquele ano, entre Brasil e Uruguai. No dia cinco de março de 1951 ele
iniciou a arte da cerâmica em São João Nepomuceno. Ele acabou perdendo tudo em
uma enchente em 1960. Com cinco filhos pequenos e sem ajuda de ninguém, apenas
de uma de suas irmãs, ele retomou o trabalho, ensinando a técnica de cerâmica a
três de suas crianças: Luís, Fábio e eu. O Luís se formou em Direito, e
atualmente trabalha em um escritório de contabilidade; o Fábio também deixou de
se dedicar à cerâmica. Portanto hoje eu trabalho sozinho.
Há quanto tempo você se dedica a esta arte?
Eu
comecei a trabalhar como oleiro em 1977, após servir o exército. Sempre
trabalhando na mesma oficina, que pertence à minha família desde 1955.
Como é o seu acesso à matéria prima da
cerâmica, a argila?
São João
não é uma cidade que tenha uma boa argila. Por aqui nós só encontramos o barro
com mistura. O único lugar que possui este material puro é um terreno que
pertencia ao falecido Geraldo Pace. Obtive informações de que o povoado da
Braúna também possui um barro de alta qualidade
para a produção da cerâmica. Eu trabalho com o barro da cidade de Recreio, para
misturar, já que ele tem mais liga – o que facilita também o trabalho, quanto à
aprendizagem.
Como você percebe se a argila é de qualidade ou não?
A
aprovação final da argila é o fogo. Na hora em que eu queimo a peça é que dá
para perceber. Se ela sair boa trata-se de um barro de qualidade. Se não, tem
que refazer o trabalho todo novamente. Por isso eu não arrisco trabalhar com
uma argila que eu não conheço. Em alguns casos, só de olhar, ou pegar na
argila, dá para perceber se ela é boa ou não. A argila tem que ter uma mistura,
porque se uma argila for muito boa, ou forte, na hora da queima ela pode
estourar a peça. Então, o ideal é combinar uma argila mais forte com uma mais
fraca, assim pode-se conseguir um material de alta qualidade.
Você tem conhecimento sobre algum outro
artista local que realiza este tipo de trabalho?
Não. Atualmente eu sou o único
sãojoanense que realiza este tipo de trabalho com cerâmica.
Existe algum outro espaço em que você
divulgue o seu trabalho, além da oficina?
Não.
Minha arte é produzida, divulgada e comercializada aqui mesmo, na oficina. Eu, particularmente,
prefiro vender aqui mesmo, já que assim o cliente terá uma maior variedade de
peças com um preço melhor. Além do mais, essa cerâmica é muito conhecida em
toda São João e região. Eu recebo, inclusive, fregueses estrangeiros. Tem um
caso especial de um senhor sãojoanense que há 40 anos residia fora da cidade.
Quando ele chegou ao município a primeira pergunta que ele fez foi se a cerâmica
ainda existia. Ao saber que ainda funcionava, no mesmo lugar, ficou muito
alegre por esta arte não ter acabado. Até a TV Alterosa, de Juiz de Fora, veio
aqui fazer uma matéria, no ano passado.
Você já disse que é o único da família que continuou com a cerâmica. Você tem o desejo de passar esta arte para as futuras gerações?
Sim, a maior vontade que eu tenho é passar esta arte
para frente. O grande sonho que eu tenho é criar uma escola onde eu possa
ensinar a comunidade sãojoanense a trabalhar com a cerâmica para que ela não
acabe. A idade está chegando, já estou com 55 anos, se eu parar o trabalho
hoje, a arte ceramista de São João Nepomuceno acaba.
Você percebe algum
interesse da comunidade sãojoanense em aprender a arte da cerâmica?
Todas as pessoas que vem à minha oficina me perguntam
se eu não quero dar um curso, ensinar a minha arte. O interesse principal vem
das mulheres. Muitas me falaram que iriam arrumar um grupo de pessoas para
montar uma turma para o curso. As crianças também demonstram muita vontade de
aprender a técnica. O problema é que aqui eu não tenho o espaço nem o
equipamento necessário para poder ensinar a cerâmica.
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ALGUMAS PEÇAS PRODUZIDAS PELA CERÂMICA PERES (FOTO: NILSON MAGNO BAPTISTA) |
Qual é o grau de
dificuldade de aprendizagem da técnica?
Não é difícil aprender, basta a pessoa ter boa vontade
e trabalhar bastante. Eu, por exemplo, dos meus três irmãos, fui o que tive
maior dificuldade. Meu pai chegou a pensar que eu não conseguiria aprender, mas
com boa vontade e trabalho duro eu estou aqui até hoje, tirando o meu sustento
da cerâmica, assim como meu pai, que criou cinco filhos trabalhando como
artesão.
De que tipo de apoio você
precisaria, da Prefeitura, por exemplo, para poder criar o curso de cerâmica em
São João?
O ideal era que a Prefeitura me contratasse para
ensinar. Com um espaço próprio. Um galpão, por exemplo. Um caminhão para pegar
o barro na Braúna também seria de grande utilidade e, acredito, não custaria
tanto dinheiro, ou trabalho, à administração do município.
Tem algum recado que você
quer deixar para os leitores do SJN?
Eu gostaria de ressaltar que o trabalho de cerâmica
pode servir de fonte de renda a muitas pessoas. Muita gente da cidade, e de
fora também, vem até aqui para comprar as peças para trabalhar com pintura. O
resultado final é muito bonito e rentável. Outro ponto importante é que este
serviço é muito utilizado para o tratamento de pessoas com depressão. Outro dia
veio aqui um senhor que reside em São Paulo, me convidando para ir até lá dar
aula para os pacientes com depressão. Mas eu não tenho interesse nenhum em
sair. Meu interesse maior é ficar na minha cidade, o lugar que eu gosto, onde
vivi todos os momentos da minha vida.
(Reprodução da entrevista
intitulada “Uma conversa com Flávio Peres”, publicada pelo Jornal SJN em sua
edição de nº 19, em setembro de 2012).
Admirável profissão ,parabéns!!!!
ResponderExcluirtenho interesse em conhecer e adquirir grande quantidade de pecas. Estamos montando uma loja de artigos de ceramica que beneficiaremos com pintura. Talvez seja interessante para ambas as partes
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